IARA: RECUPERANDO-SE DA CURA

Texto por Shehryar Nabi
Fotografia por Misako Ono
Vídeo por Samuel Costa

Eu digo e repito,” enfatiza Iara. “Interferon foi o fim da minha vida.
 

Iara Pereira já percorreu um longo caminho desde que tomou interferon em 2006 para tratar sua Hepatite C. Seu cabelo, encaracolado e pintado de preto, já cresceu novamente. Ela está exuberante e ativa, não transparecendo os sinais da esmagadora exaustão que ela sentiu em seu tratamento. O dia todo, ela salta energicamente de tarefa em tarefa em seu apartamento: esfregando as roupas molhadas, colocando as roupas para secar em sua janela, cortando cebolas para o almoço, juntando os brinquedos que as crianças de seus vizinhos estavam brincando, e dando banho em sua neta de 7 anos, Ketlyn. Estar entre crianças a faz feliz. “Você esquece de tudo quando tem crianças em casa,” diz Iara. “Elas são minha terapia.”

Iara ganha a vida limpando apartamentos em seu prédio e cuidando das crianças de seus vizinhos. Os corredores de seu prédio são ao ar livre, e ela deixa a porta da frente aberta para cumprimentar e brincar com seus vizinhos. Os corredores são locais de interação. A partir dessas varandas você consegue ver todos os blocos de apartamentos, roupas penduradas nas janelas a secar, carros e pessoas se movimentando nas ruas próximas e montes distantes pontilhados com casas com vista para a cidade de São Gonçalo.

Em seu apartamento, Iara tem uma conversa de alto astral para o ruído de fundo: crianças gritando na rua, música e notícias nos televisores dos vizinhos e slogans politicos de candidatos para as eleições locais explodindo de carros em baixa velocidade. Feixes de luz adentram sua aconchegante sala de estar através de portas e janelas abertas que deixam entrar uma leve brisa, fazendo as capas de seu sofa e suas cortinas azuis gentilmente balançarem. O café que ela faz traz vizinhos à sua porta. Seu filho, que vive em um apartamento descendo as escadas, muitas vezes sobe e pega um copo de café. “Ele nem diz oi, só pega um copo de café,” diz Iara, rindo.

Como muitas outras pessoas no Brasil que são diagnosticadas com Hepatite C, Iara não tinha conhecimento dos efeitos da doença antes que ela a contraísse. Ela descobriu que estava doente em 1998, quando tentou doar sangue para um amigo com hemophilia. Naquela época, ela diz que não reagiu à notícia porque não tinha conhecimento das possíveis consequências da doença, como cirrose e câncer. Quando entendeu a severidade da doença, ela entrou em choque. Iara não faz ideia de como contraiu Hepatite C. Não consegue se lembrar de ter passado por transfusão de sangue, e ela nunca foi uma usuária de drogas injetáveis. Após revelar a doença à família, ela foi isolada por eles por conta da ignorância dos mesmos quanto à doença. “Eles evitavam contato comigo porque não sabiam o que era,” ela diz.

Embora ela não tenha sofrido de nenhum dos sintomas da Hepatite C, os medicos lhe pediram para iniciar o tratamento para prevenir que a doença danificasse seu fígado. Ela se candidatou para tomar interferon em 2002, mas foram necessários quatro anos de burocracia do sistema de saúde pública. “Eu ligava toda semana e visitava o Secretário de Saúde do Rio,” relembra Iara. “Foi tudo muito cansativo.”

Ela finalmente começou o tratamento em Maio de 2006, quando começou a viajar para um hospiral próximo da cidade de Niterói. Pelos próximos três meses, ela experienciou as piores dores que ela sentira em sua vida. Os efeitos colaterais foram devastadores comparados à abstinência de sintomas antes do início do tratamento. “Eu senti como se estivesse tendo um ataque do coração,” diz Iara. “Era como se alguém estivesse enfiando uma faca em meu coração.”

Além de interferon, foi prescrito que tomasse um suplemento de ribavirina todos os dias. Ela teve um reação única a esta combinação – especialmente do interferon – que resultou em um incomum número de efeitos colaterais comparados a outros pacientes que passavam pelo mesmo tratamento. Em Agosto, Iara já havia perdido oito kilos, perdido cabelo e acumulado feridas por todo o corpo. Ela também adquiriu diversas doenças que incluiram estomatite, anemia, hipotireoidismo e depressão. Embora disposta a continuar o tratamento, seus medicos descobriram que a doença havia piorado, e não melhorado. A ordenaram que parasse o tratamento, com risco de morte.

Anemia, um efeito do tratamento que previne o corpo de receber oxigênio suficiente, fez Iara sofrer de fadiga severa. Ela não tinha forças para fazer nem as mínimas atividades diárias, como descer as escadas de seu prédio ou levantar um litro de leite. A fadiga a atingia a qualquer momento. Enquanto caminhava, ela tinha que parar em momentos aleatórios para somente descansar. Uma vez, durante uma visita à casa de seu filho no alto do morro, ela só tinha forças para rastejar. “Eu sentia vergonha de ir para a rua,” conta Iara.

Ela também não podia controlar as crises de depressão. Mas ela nunca a aceitou. Ela se absteve de tomar antidepressivos, favorecendo o conforto de sua família e as responsabilidades que ela carregava como mãe e avó. “Você precisa se olhar no espelho e dizer, ‘Você não precisa ficar depressiva. Você tem filhos. Você tem netos. Você tem que lutar contra isso,’” diz Iara. “Quando você está pensando neles, é como um antidepressivo.”

Embora a saúde de Iara tenha melhorado drasticamente desde o encerramento de seu tratamento, ela ainda não se recuperou totalmente. Ela ainda não recuperou o peso que perdeu, apesar de tomar suplemento de vitaminas. Sua experiência com o tratamento também a fez evitar tentativas de curar a Hepatite C com outros medicamentos. Ela decididamente não toma mais interferon. “Eu digo e repito,” enfatiza Iara. “Interferon foi o fim da minha vida.”

Os sintomas atuais de Iara são relativamente suaves – algumas dores em seu braço, coceira e um gosto amargo na boca. Mas ela ainda tem que ser cuidadosa com medicamentos que toma para outras doenças. Deve evitar tudo que pode afetar seu fígado. Frequentemente não há medicamentos disponíveis para ela, e os médicos a submetem a inúmeros exames sem prescrever nada. Um mês atrás, Iara teve uma infecção urinária e os medicos não puderam tratar imediatamente por causa das chances de piorar sua Hepatite C. Até que o remédio adequado estivesse disponível, ela só podia aliviar a dor deitando em uma bolsa de gelo.

Apesar de sua dolorosa experiência com inferferon, Iara acredita que estando bem informada, ela encontrará um tratamento adequado. Por causa de sua reação incomum a medicamentos, testemunhos de pessoas sobre outras drogas são cruciais. O Ministério da Saúde não libera as informações que ela precisa, então ela se baseia na internet e em seu grupo de apoio de Hepatite C, Grupo Amarantes. Desta fonte, ela aprendou sobre a nova droga Sovaldi, que tem uma taxa de 90% de cura e quase nenhum efeito collateral – porém não está disponível ainda no sistema público de saúde brasileiro.

Iara é um membro-chave do Amarantes, onde seu humor e caráter vívido promovem grande alívio aos outros membros. Apesar de enfrentar muitos desafios, como a falta de financiamento do governo para um local de reuniões contínuas, o grupo a inspirou. Ela foi particularmente tocada quando outro membro do grupo a definiu como um corpo cheio de órgãos e não caracterizado unicamente pelo seu fígado. Iara repete esta declaração como um mantra, “Eu posso fazer muitas coisas – Não sou só um fígado.”

Hoje, ela mantem suas forças se desafiando na menor das atividades. Algumas vezes, ela promove competições mentais com pessoas nas ruas. “Uma vez eu vi um idoso em minha frente, e andei mais rápido que ele para pegar o ônibus,” ela conta. “Olhei para trás, vi o idoso, e disse a mim mesma, ‘Venci!’” 

Iara está empenhada em fazer valer cada momento do resto de sua vida. “Uma cigana me contou que eu vou morrer por volta dos 70 anos,” diz Iara, que agora tem 57. “Ok, é o suficiente para mim. Mas até lá, eu quero uma maior qualidade de vida. Quero dançar mais. Eu quero aproveitar melhor as coisas. E então, se eu morrer, tudo bem.”

Nas noites de domingo, quando São Gonçalo está vívida com seus churrascos, jovens foliões e bares ao ar livre, Iara se esforça para ir ao Pimpão, uma festa para pessoas mais velhas. Antes de ir, ela fala sobre a dança enquanto performa os movimentos em um vestido festivo composto por florais e xadrez vermelho, amarelo, azul, laranja, roxo, preto e branco. Quando ela chega ao local da festa, mulheres perfumadas em vestidos coloridos e homens vestindo camisas sociais – com botões abertos o suficiente para mostrar os cabelos grisalhos do peito – começam a dançar com o início da música. Enquanto eles estão espalhados pela pista de dança, timidamente balançando ao som dos funks dos anos 70 e observando cada canto do salão, Iara dança sem restrição. A festa se anima quando o DJ toca os sertanejos clássicos. Logo um homem pede para dançar com ela, e os dois se misturam aos outros casais do recinto, iluminados somente pelas bolas azuis, verdes e vermelhas das luzes da discoteca.